Amazonia Viva Santarém

6/01/2006

Entendendo mais sobre o "Fora Greenpeace"

Quando cheguei em Santarém em Janeiro de 2005 aos poucos, fui percebendo as diferenças e semelhanças do lugar de onde vinha. Caipira. Sim, sou um caipira com muito orgulho e penso que os ribeirinhos da região compartilham do mesmo sentimento. O mesmo se estende aos quilombolas e índios das diversas etnias que ocupam a Amazônia.
A primeira informação que recebi de Santarém, era que haviam três símbolos associados às pessoas bem sucedidas: possuir uma farmácia (ou um imenso plantio de soja), uma Hi Lux e uma loira (bem bonita, obviamente) para desfilar pela orla no banco de passageiros ao lado do dono (do carro). A impressão que fica desta observação é que uma propriedade leva à outra.
Esses símbolos ainda hoje transitam pela cidade e parecem possuir no inconsciente coletivo uma forte noção de status para quem os exibe à imensa maioria dos pobres mortais que se deslocam pela cidade a pé, de bicicleta, ou na melhor das hipóteses de ônibus, ou, melhor ainda, na garupa de um moto táxi (clandestino ou não). Símbolos como esses são importantes, pois sugerem um valor compartilhado socialmente, indiferente se as pessoas, no caso em questão, possuem efetivamente tais objetos.
De imediato, e na condição de ser humano que respeita a sua espécie, não quero ferir ou inferir juízo de valor a ninguém, mas, a princípio, esses símbolos também me sugerem uma postura e afirmação extremamente machista, a qual tenho nada que compartilhar...
Distante alguns meses de Santarém, ao retornar, fiquei a par de uma propaganda que se espalhou pela cidade como um rastilho de pólvora: FORA GREENPEACE. AMAZÔNIA É DOS BRASILEIROS. A primeira informação sobre este slogan, coincidentemente, era que o mesmo começou a circular pela cidade afixada em algumas HI LUX (as mesmas do comentário anterior).
Como esses veículos representam um símbolo invejado de prestígio, outros carros de menos valor simbólico e econômico, começaram a aderir à moda vigente. Era como se a pessoa em questão, proprietária de um veículo mais humilde, por meio da semelhança ínfima de um adesivo, se aproximasse mais do status invejado pela coletividade local.
Não possuo vínculo institucional com o Greenpeace, apenas sou um brasileiro apaixonado por Santarém e por uma escalabitana, e por isso retornei para cá. Como qualquer pessoa, sonho com a possibilidade de constituir família, ter filhos e etc. Enfim, um brasileiro com orgulho de sê-lo. Porém, na condição de cidadão, daqueles que acreditam que um mundo melhor é possível, é inevitável tecer alguns comentários adicionais sobre essa infeliz campanha que todo dia polui meus olhos e pensamentos.
Em primeiro lugar, ao afirmar, FORA GREENPEACE, cometem-se alguns erros (ou serão crimes?) pois, tal como assegura a redação de nossa Constituição Federal, de 05 de outubro de 1988, no Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, Capítulo I Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, Art. 5º:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”.
O Greenpeace é uma instituição internacional com sede central na Holanda, mas possui associados em 43 países inclusive no Brasil, sendo assim, brasileiras e brasileiros afiliados nessa ONG, sentem-se como? Também internacional e com sede no Brasil, Santarém acolhe direta ou indiretamente a Cargill, a Toyota (aquela que faz as HI LUX), a Wolkswagem, a FIAT, a Panasonic e a Olympus (algumas pessoas adoram quebrar câmeras de vídeo e máquinas fotográficas alheias) a Vale do Rio Doce (outrora verde e amarela, mas vendida para o capital estrangeiro) e etc. Mas prossigamos com a nossa constituição...
“II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A sugestão FORA GREENPEACE possui respaldo constitucional? Ao que me consta, não.
“III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Quanto de cordialidade existe no imperativo FORA GREENPEACE? Mais adiante observamos no mesmo capítulo o seguinte:
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Qualquer pessoa com qualificação adequada, ou seja, brasileiras e brasileiros podem sim trabalhar em qualquer lugar do país, inclusive em Santarém, inclusive no GREENPEACE.
Para concluir essa primeira parte das observações, a máxima que se refere ao FORA GREENPEACE, fere o seguinte termo:
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.
A propósito, a palavra Greenpeace, traduzida, seria algo como “Paz Verde”. Por acreditar que esse item é auto-explicativo, dispenso maiores comentários e passo para a segunda parte da infeliz campanha que circula por automóveis, bicicletas, ou permanecem estáticos nas fachadas de algumas casas ou estabelecimentos comerciais: AMAZÔNIA É DOS BRASILEIROS.
Será mesmo? Meu professor de geografia da quinta série me ensinou que não. Segundo ele, a Amazônia, reconhecida como floresta com características marcadamente específicas, além de abranger o Estado do Pará também ocorre no Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso (que com tanto desmatamento vem sendo chamado de mato fino), Maranhão e Amapá. Mas o que diriam nossos vizinhos fronteiriços da Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia e Equador? Como será que pensam quando ouvem algum sojeiro, digo, brasileiro, dizer que a AMAZÔNIA É DOS BRASILEIROS?
Terá algum erro nessa frase além da falta do artigo feminino “a” que deveria precede-la? Será que existe algum interesse imperialista de dominação da região por parte desses que propagandeiam essa idéia? Mas quem são mesmo essas pessoas? A propósito, com exceção indireta daqueles que começaram a replicar essa seqüência trágica de erros embutidos num único adesivo, a pessoa ou grupo de pessoas que idealizaram, escreveram, pagaram para imprimir os adesivos numa gráfica e distribuí-los se esqueceram (além do artigo feminino “a”) de se apresentar ao grande público.
Será que é porque eles acham que os santarenos são todos índios, preguiçosos, incapazes de pensar? Esses cidadãos são insensíveis e julgam que não só os santarenos, mas toda a população amazônica é incapaz de constituir uma opinião própria favorável aos seus costumes e cultura secular envolvida com uma dinâmica super complexa de interação com a natureza, respeitando seu ritmo? Pois dizem: vamos trazer o desenvolvimento!
Na verdade querem é (des) envolver. Experiências anteriores de nossa história apontam que a estratégia dos grandes capitalistas para ampliar suas cifras consiste na retirada (leia-se expulsão) das pessoas desse convívio harmônico, impedindo que se envolvam com o tempo de plantar, de colher, de pescar, de caçar, enfim, de viver. O sonho com melhorias na produção, escoamento e comercialização da agricultura familiar não deve ser confundido com o pesadelo recorrente da expulsão de agricultores de suas terras para dar lugar a monocultura.
Esse adesivo elege um inimigo, no caso em questão, qualquer pessoa que participe do GREENPEACE e isso de forma bem explícita. Mas quem os fez, se esconde covardemente na sombra de algum pé de soja. Por que não assinam? O que temem? A nossa constituição ainda no mesmo capítulo citado anteriormente diz que:
IV -é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Gosto de debates, mais ainda de diálogos e espero ter contribuído com a reflexão desse tema. A permanência ou não de pessoas em Santarém bem que poderia ser inspirada em outro símbolo: O encontro das águas do Tapajós com o Amazonas. Esses rios são parte integrante da Amazônia e emprestam perpetuidade à vida daqueles que os margeiam. Qualquer pessoa ou instituição que prejudicar esses rios estará prejudicando a vida de todas as pessoas que vivem aqui, e a resposta da natureza não escolhe a quem. Convido a todos para uma reflexão: cessem com as agressões, desmatamentos, poluição e morte de pessoas e rios.
Seres humanos, rios e florestas são integrantes de um organismo chamado Planeta Terra. Tudo o que fazemos para a qualidade da vida no Planeta fazemos a nós mesmos. Que tal pensarmos em outro símbolo também? A proposta de adesivo já foi dada por alguém, e essa idéia eu assino embaixo: VIVA A VIDA VIVA!
Paulo J.C. Varalda - Cientista Social

1 Comentários:

  • Caro Paulo,
    Bem vindo a Santar�m. Muito elucidativo seus coment�rios a respeito do Entendendo mais sobre o Greenpeace. Parab�ns pelo artigo e conte comigo.
    Um abra�o,
    Baldino

    Por Anonymous Anônimo, Às 6:53 PM  

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